Para poetisa piauiense Ana Patrícia Rameiro.
Não sei dizer se estou apaixonado. Confesso que nem procuro mais perder meu tempo divagando sobre turbilhões de emoções ocultas e intangíveis, tampouco ando debruçado em questões vãs e estéreis como a definição de sentimentos ou a equação dialética do amor. Definir significa limitar, dividir. Ela me soma, me expande, me preenche. Só sei dizer que aquela ânsia angustiante que me tomava, com ela, se esvaiu; que o peso das horas insones não me causa mais medo e dor; que o coração agora de tão tranqüilo esqueceu-se de pulsar dentro do peito como d'antes: locomotiva frenética, palpitante, descompassada. Para onde escoaram as ásperas e preciosas doses de veneno destiladas de um mosto de tantas mágoas? Há mágica tão poderosa capaz de sossegar a aflição das almas inquietas como a mágica sutil dos dedos de sua mão procurando os meus? Ah! Só mesmo os raios do Corisco para calcinar as armaduras e couraças forjadas por mim a ferro e a fogo.
Primeiro de Março: é dos pântanos putrefatos que nasce a flor mais sagrada e bela. E se ainda vez por outra me perco olhando pra trás, faço apenas para constatar a superficialidade pueril das pessoas, esmagadas diante de sua simplicidade. Sei também que quando me dou conta, entre um cigarro e outro, já estou, piegas, arranjando-lhe apelidos carinhosos no diminutivo ou formulando frases tolas que lhe mando pelo celular, tal qual um adolescente embevecido. Quando ela se vai, deixando minha cama vazia, me dói, mas é dor calma, sossegada, dor boa. Agora, as noites dos bares deram lugar a pizzas e fanta laranja. A Caio Fernando Abreu, Glauber Rocha e Thiago de Mello. Meus finais-de-tarde de Junho repousam estirando sua lassidão em redes tépidas e ociosas com ela enlaçada a mim, lânguida feito um bicho-preguiça. Por que as palavras soam com tanta poesia no seu sotaque? Por que as sílabas dançam com mais acento, cadência e ritmo em sua boca? Por que o mundo fica mais terno e acolhedor entre suas pernas? Desconfio que só se possa poetizar em piauiês.