sábado, 17 de abril de 2010

O inconsciente solidário coletivo


Como narrador e protagonistas das histórias que costumo contar aqui neste blog, não poderia me considerar outra coisa senão um cético, desesperançoso e desencantado. Um espectador do mundo visto através das minhas lentes amorais. Creiam, não somos lá tão diferentes dos animais, apenas douramos um pouco mais a pílula.
Pois bem, conquanto nada até o presente momento me convença do contrário, dei-me conta de que em pelo menos duas situações, sabe-se lá porque, parece existir um impulso quase visceral pela solidariedade. Uma espécie de inconsciente solidário coletivo.
A primeira experiência vivi quando comprei meu primeiro carro. Era um Vectra branco, tá bom era de segunda mão! Mas, não importa, era como se fosse novo, zerinho em folha. Tinha um pequeno defeitozinho: a porta parecia estar sempre entreaberta . Confesso, até hoje não sei se era o modelo do veículo, ou se o antigo dono havia batido anteriormente. Sempre quis crer na primeira hipótese.

Primeira volta, óbvio, convidei a garota para impressionar. Já ia fazer a curva. A mão avançava rumo à marcha, quando ela disse:– meu amor o moço do taxi tá dizendo que a porta tá aberta-. Expliquei-lhe que era assim mesmo e que apenas parecia estar aberta. Pensei com os meus botões : “ curioso, taxista é capaz de te cortar a qualquer momento, te xingar dos piores palavrões, mas mesmo assim correu para avisar da porta. O mundo ainda tem jeito”.

Daí em diante foi ciclista, pedestre, guarda de trânsito, motoristas de ônibus fazendo acrobacias intrépidas para poder dar o aviso - sua porta está aberta- Pensei, afinal, o que move este impulso quase atávico? O que incomodaria tanto em uma simples porta aberta? Ou vocês já viram alguém que de fato caiu de um carro em movimento por ter o descuido de se firmar em uma porta semi-aberta?. Resposta: o inconsciente solidário coletivo.

A segunda constatação do solidário coletivo foi recente, no dia do meu aniversário. Conquanto na mesma semana tenha sido chamado de piegas, descontrolado e pseudo-intelectual (por quem venderia o corpo pra comprar objetos caros da Tiffany`s), o certo é que me impressionou o número de pessoas que te mandam felicitações pelo Orkut. Ligações mesmo, apenas uns velhos camaradas.

São primos que só encontras e casamentos e funerais; Amigos da quinta série; Ex-amantes; Alguém que te adicionou depois daquele final de semana em Algodoal; Vizinhos; Chatos do teu trabalho e finalmente, aqueles que estão na tua rede social e você não sabe nem quem é....

Jung explica: Só pode ser o inconsciente solidário coletivo.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

ONTEM DE MADRUGADA



O corpo fatigado estirava-se lasso sobre a cama. Parecia alheio ao tilintar que insistia em chamar pelo espectro que esvoaçava de sonho em sonho, perdido pelos recônditos oníricos da mente. O troar de agudo persistente não se dava por vencido, intercalava gritos pelo quarto sem contudo cessar sua voz. Os livros cobriam as cômodas, anônimos pela escuridão. A garrafa de uísque quase seca e as baganas de cigarros compunham uma mistura que empestava o ar com seu odor barato e acre. Logo após um breve descanso o silvo voltou a ecoar bradando selvagemente, devorando o silêncio com sofreguidão. A TV brilhava muda, esquecida em um canto com as imagens de um filme noir do Polanski indo e vindo na tela sem chamar qualquer atenção. Da rua já se ouvia o disco de embreagem quebrado de um ônibus que fazia sua primeira corrida e os palavrões de um gigolô que cobrava seu troco de uma senhora gorda. Aos poucos o corpo envolto com um grosso edredom, sonolento, voltava a si retomando a consciência. O aparelhinho fremia vitorioso cantando seu hino. Os olhos lenientes hesitavam em abrir. A cabeça rodando mais que bolsa de puta. O coração palpitou acelerado, talvez prevendo de onde vinha o ruído o qual lhe despertara. A mão, vacilante, aos poucos avançava rumo ao celular. Os olhos ansiosos fixaram-se no nome que brilhava no display, como néon no inferninho da esquina. Olhou o relógio: era madrugada. Pensou em não atender. Um turbilhão de pensamentos assaltou sua mente. Era ela…..