sexta-feira, 7 de setembro de 2007

LANÇANDO AS BASES DO PARTIDO DO EU MESMO


Minhas mãos suavam mais que um burro de carga em pleno sol a pino.Procurava escondê-las ora as enfiando nos bolsos de minha calça,ora simplesmente cruzando-as para trás de meu corpo.Supunha que talvez ninguém ali naquela sala sequer atentasse para o fato de como elas estavam agitadas, revelando meu desassossego e constrangimento com aquela reunião aviltante,conquanto me parecesse que todos mais hora, menos hora se dariam conta. Percorri levemente com os olhos aquela sala em polvorosa, apinhada de pelegos e bajuladores a fim de encontrar outro, que como eu, visse naquela cena um verdadeiro opróbrio,todavia não percebi ninguém..Todos,subservientes, movimentavam levemente a cabeça em sinal de anuência.O chefe de nossa repartição, um desses glutões de olhar bovino,levantou-se, ajeitou a gravata que trazia invariavelmente em desalinho, largou a mesa e passou a bradar anunciando todas as realizações que haviam sido engendradas durante a administração do partido da situação. Fazia da mesa agora seu palanque e de nós , funcionários, seus militantes. Não via até então nenhum motivo plausível que justificasse o fato de eu estar ali, escutando este amontoado de asneiras. Após certa frase que entoara com mais eloqüência, uma balofa tagarela que havia visto apenas algumas vezes em um departamento ao lado do meu, levantou-se e freneticamente tratou de aplaudir.Aos poucos, todos a seguiram dando vivas ao partido e ao chefe. Ninguém nunca pareceu a meus olhos tão abjeto como aquela funcionária opulenta e lambe-botas que passava inocentemente por mim toda manhã trazendo um grosso volume de processos. Ri de mim para mim e temi mais uma vez que alguns dos meus colegas notassem meu riso sardônico com o canto da boca. Por ora,tive a nítida impressão de que o próprio chefe fixava os olhos em mim,mas aos poucos me recompus. A sala estava de fato abarrotada de gente, haviam convocado praticamente todos a comparecerem à reunião. Jamais vira em todo o tempo em que trabalhei naquela repartição algo parecido para tratar do trabalho que desempenhávamos, contudo, agora que o partido estava ameaçado de soçobrar nas eleições e ruir todo o castelo que haviam montado, estávamos ali,obrigados a fazer honrarias ao partido. Todos sabíamos que possivelmente seríamos os primeiros a conhecer o olho da rua caso o partido viesse a perder nas urnas. Era perceptível os olhinhos amedrontados dos outros funcionários, como que ofertando sua ladainha de imprecações.Certamente também eu necessitava de meu emprego tanto quanto eles, mas não me venderia por tão pouco, por mero cargo temporário ofertado pelo partido. Não, mil vezes não, aquilo tudo pra mim me parecia a cada hora mais exasperante. O chefe calou-se e deu a vez ao seu lugar-tenente, um magrelas que possivelmente seria nosso novo chefe ao julgar pela confiança depositada nele. Dessa vez o discurso não se direcionava a nos mostrar as realizações do partido, mas a nos amedrontar com a hipótese do partido de oposição ascender ao poder. Perscrutei mais uma vez o ambiente dando uma olhadela de soslaio. Ao final da sala estavam os funcionários de pouca graduação, todos em pé, pois não havia cadeiras em número suficiente,esses até me pareceram mais tranqüilos, naturalmente, se perdessem seus sórdidos empreguinhos não demorariam a ser explorados em outro lugar. Os funcionários de nível técnico superior estavam todos dispostos nas primeiras cadeiras, salvo a matrona que se levantara há pouco para aplaudir, esta, não teve o menor escrúpulo de sentar-se nas primeiras fileiras.há poucas semanas já se podia escutar o zum-zum-zum pelos corredores, o partido de oposição virara nas pesquisas e agora possuía a maioria, o que invariavelmente significaria a demissão em massa dos funcionários para a admissão de seus militantes. Era essa a lógica mesquinha e perversa das urnas. Partidos eram apenas e tão-somente cabides de empregos, mausoléu para esses cadáveres ambulantes. Quando se deram conta de que eu não dispensava o mesmo tempo e empenho, tal qual os outros funcionários, com as mesmas preocupações, me indagaram sobre o escrutínio. O primeiro foi um janota imberbe, o frangote chegou a dizer que era impossível alguém com o mínimo de formação, como eu, anular o voto. Pensei em atirar-lhe nas ventas algumas idéias de Proudhon e Bakunin antes que viesse falar em formação.Depois deste fato notei que me olhavam como traidor e faziam comentários maldosos entre eles. Não fiz questão de mudar seus pontos de vista tampouco de deixar claro novamente o meu. Agora lá estava eu procurando uma maneira que me permitisse fugir daquela torturante reunião. O magrelas continuava “afinal,o seus trabalhos dependem disto”,aquela foi a gota d’água,pareceu-me que partiam para um ataque direto e mesquinho:a chantagem.Não me fiz de rogado,lembrei-me da frase “ o governo do homem pelo homem,sob qualquer nome que se disfarce é sempre opressão”,não sei porque mas esta frase instigou meus brios,espalhou-se virulenta pelas minhas entranhas e sua peçonha fez pulsar frementemente meu sangue. Imediatamente meti a mão nos bolsos,puxei o aparelhinho celular e programei para tocar o despertador dali a dois minutos e me preparei. Logo,logo ouviu-se conspurcando a sala o silvo pungente,o hino do eu-oprimido.Todos os olhos questionadores voltaram-se para mim como a não entender tamanha afronta e petulância. Ergui altiva minha cabeça, encarei a todos com bravura e satisfação comigo mesmo, abri a porta e caminhei rumo a minha liberdade..........

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