domingo, 18 de novembro de 2012

DIAS TOFFOLI, FOUCAULT E A BAILARINA FORA-DA-LEI


 Esta semana, Dias Toffoli Ministro do STF referiu-se às penas restritivas de liberdade aplicadas ao núcleo financeiro do mensalão como dignas do período medieval, uma vez que os crimes praticados pelos réus, quais sejam: quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, etc. não seriam crimes assim tão graves, cuja periculosidade autorizasse tão perniciosa segregação.

A bem da verdade o ministro Toffoli, ex advogado do PT e ex assessor de José Dirceu na Casa Civil, apenas endossou a frase infeliz proferida dias antes pelo atual Ministro da Justiça, Eduardo Cardoso. Dizia o Ministro que seria preferível morrer a ir para a cadeia no Brasil, em clara alusão as penas de prisão aplicadas a José Dirceu, dentre outros réus envolvidos na ação penal nº 470.

Confesso que tão logo tais declarações ganharam a mídia, algumas questões me causaram perplexa curiosidade, como para que serve a pena de prisão no Brasil? Para o Ministro do STF, quem deveria ir para cadeia? E por último, por que diabos as mazelas do sistema carcerário só estão sendo discutidas agora ?

Pra começo de conversa creio que seja claro para todos a falência do sistema carcerário brasileiro. Nisto andou muito bem o Ministro Eduardo Cardoso quando comparou a penitenciária brasileira a uma verdadeira masmorra. Com efeito, a lei mais desrespeitada no Brasil é sem duvidas a Lei de Execuções Penais. Presídios superlotados, direitos civis a torto e a direito suprimidos. O encarcerado é um quase-cidadão dentro da lógica mesquinha das estruturas de poder brasileiras. Conquanto isto seja verdade inconteste, o que não ficou muito claro em minha cabeça é:  se o Ministro Eduardo Cardoso é Ministro da Justiça, portanto, autoridade competente para promover a mudança do sistema penitenciário , por que até agora não o fez ? Certamente porque preso não vota.

Mas deixemos de lado por hora o Ministro da Justiça do governo do PT para tentarmos compreender o inflamado aparte do Ministro Toffoli, cuja companheira, advogada, fez a sustentação oral em 2007, defendendo alguns desses mesmo réus.

Ora, a primeira conclusão imperiosa a que temos que chegar analisando suas declarações é a de que, segundo o Ministro Toffoli a prisão é coisa, como ele mesmo disse, medieval, e esta coisa medieval serviria apenas para impedir delinquentes perigosos de cometer novos delitos. Delinquentes perigosos, segundo a cartilha do Ministros são aqueles que praticaram “crimes de sangue”, ou seja,  o assaltante de banco; o homicida; o trombadinha.  Os três “ps” : preto, pobre e puta.

Não duvido que se estivesse  na Roma antiga o Ministro concluiria “aqueles que não são da minha estirpe. Os que não  gozam como eu da cidadania romana

No afã de defender tão odiosa tese, citou até Michel Foucault e usou como exemplo a banqueira mensaleira Kátia Rabello. “Que perigo pode causar uma bailarina ?” indagou indignado.

Não, Sr. Ministro, por mais que isso lhe cause estranheza, a pena de prisão não lembra em absoluto as ordálias e penas medievais, tais como empalamento, crucifixão, enforcamento, tortura, fogueira. Bastaria ler a introdução do livro Vigiar e Punir, de Foucault, aquele que V.Exa nos sugere ter lido, para perceber o quão distante da realidade histórica estão suas tendenciosas conclusões. A bem da verdade, a pena de prisão, à época, representou grande avanço na aplicação das penas, uma conquista do pensamento iluminista.

Por outro lado,  não consigo encontrar outro adjetivo senão “vergonhoso” para definir sua citação de Foucault , a qual supostamente justificaria  a ausência da pena prisão para este tipo de delinquência.

Bastaria uma leitura um pouco menos superficial da obra do filósofo para compreender que o que ele criticava não era exatamente a pena de prisão, mas a utilização do cárcere como forma de controle social impingido pela máquina punitiva estatal, ou seja, a segregação seletiva e higienizante, exatamente nos moldes defendidos por V.Exa : cadeia para pobre, preto e puta.

Em um Estado Democrático de Direito, Sr. Ministro, o cárcere foi reservado para os pretos, pobres e putas, mas também para os ex-guerrilheiros e para as bailarinas fora-da-lei.  E por que nao dizer? Até para os magistrados, uma vez que também estes praticam crime de prevaricação quando demonstrada a sua tendenciosa parcialidade no processo.

Se é fato que a democracia brasileira de tão incipiente ainda engatinha. Oxalá chegue o dia em que ela alcançará a maioridade. Neste dia, nossas cadeias, como nunca antes na história deste País, abrirão vagas até para ex-presidentes. 


segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Sonhos esquizofrênicos de Alice


Ela me entorpece com seu ópio, meus dentes rangem, minha boca seca, meu coração dispara frenético e descompassado. Em cada beijo parece me enfiar na boca doses de anfetamina.  Cada palavra sua me convida a perder-me ainda mais atrás de um coelho branco fugidio. Eu por outro lado lhe ofereço o precipício, antídoto para a sua vida de comercial de margarina, afinal a imperfeição é algo demoniacamente sedutor. Em seu mundo nonsense eu não sou real, ora personagem cafajeste saído de algum filme noir; ora malandro cantado nalguma música do Chico; ora Romeu shakespeareano. Não me importo. Se entre uma fumaça e outra de meu cigarro e algumas palavras ao pé do ouvido ela faz questão de mostrar-me o quanto eu a deixo molhada, de que me valeria tanto a tal realidade? Não, meu castelo são escuras masmorras; meu trono é ambulante; minha eternidade é furtiva; meu gozo é mudo. Ela me diz que aqui eu sou El Rey, enquanto eu, titubeante e sem ter o que dar em troca, lhe ofereço minha patética fidelidade de mundo real. Definitivamente não somos convencionais. Se em seus dedos brilham esmeraldas, diamantes e rubis de pouco vale tudo isso aqui em seu mundo de fantasias. Talvez sua máscara de colombina reluza mais que todo o ouro de Salomão. Ah como o relógio dos amantes é prodigioso, transforma minutos em horas e horas em segundos. Alice me pergunta, assim, de supetão como se anunciasse o final do mundo, o que faria se tivesse poucos dias de vida. Digo que viveria cada minuto de forma a trazer comigo os breves átimos de felicidade. Respostazinha capciosa mas sincera. A mais pura sinceridade cínica dos cafajestes. A mais ingênua sinceridade cega dos enamorados que diante da beleza do precipício esquecem por completo a dor da queda. Não lhe ofereço rosas; não a levo de mãos dadas ao cinema, tampouco o happy end das comédias românticas. Possuo a estúpida liberdade dos tolos. Bêbado, olho as bundas sem culpa ou remorso. Ela complacente, finge me entender. Sou Ulisses acorrentado imune aos canto das sereias ou Werther com as pistolas em punho, pronto a estourar os miolos? Não sei, em seu mundo ela é a tirana cujas regras me impõe. Por vezes sou o adolescente imberbe com suas poluções   noturnas sonhando com a garota da escola. Em outras me pergunto se seria verdadeiramente feliz se a visse de bobe nos cabelos vendo a novela das oito. Temerosa da resposta ela se pergunta se seriam meus os olhos de tragédia anunciados pela boca de Cassandra. Eu sei, mas não respondo, apenas sigo dançando conforme sua música, mas ah, como é doce essa melodia. Que me importa com quem está a batuta? Como esposa ciumenta segue todos os meus passos e me pergunta dos amores passados. Como loba esfaimada cheira minha roupa e com os olhos embotados diz que com sua boca quer me saciar. Se escrevo quase a expor minha musa é tão -só porque todos os apaixonados são em essência vaidosamente exibidos, fazem questão de falar aos quatro ventos da pessoa amada.Não pretendo decifrar os mistérios do amor e nem antever o tempo dos amantes. Apenas vivo, vivo,vivo, enquanto Alice segue construindo o nosso mundo onírico.